IPI - Exclusão do frete cobrado do adquirente da base de cálculo

Nos últimos anos, muito se tem discutido sobre a composição da base de cálculo de diversos tributos, movimento que em boa medida foi alavancado pela decisão do STF que reconheceu a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS.

Neste texto, pretendemos abordar a base de cálculo do IPI, especialmente quanto à indevida inclusão do valor do frete cobrado do adquirente. Essa questão é particularmente relevante para os contribuintes do IPI não optantes do Simples Nacional que concentram suas vendas por canais de e-commerce (Mercado Livre, Amazon, site próprio etc).

A base de cálculo do IPI, como de vários outros impostos previstos na Constituição Federal, está disciplinada no Código Tributário Nacional - CTN, que diz o seguinte, com referência ao imposto devido na saída:

Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:

[...]

II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;

[...]

Art. 47. A base de cálculo do imposto é:

[...]

II - no caso do inciso II do artigo anterior:

a) o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria;

b) na falta do valor a que se refere a alínea anterior, o preço corrente da mercadoria, ou sua similar, no mercado atacadista da praça do remetente;

A rigor, a base de cálculo do IPI devido na saída é o valor da operação de industrialização e, de forma subsidiária, o preço corrente da mercadoria. Dito isso, importante ressaltar que o frete cobrado do adquirente na venda não compõe a “valor da operação de industrialização”, pois dela não faz parte.

Todavia, em 1989, o Congresso editou a Lei nº. 7.798/89 que, em seu art. 15, ampliou o alcance do termo “valor da operação”, para nele incluir o valor do frete e demais despesas acessórias cobradas do adquirente.

Essa alteração se deu mediante a inclusão do § 1º ao art. 14 da Lei nº. 4.502/64, que passou a ter a seguinte redação:

Art. 14. Salvo disposição em contrário, constitui valor tributável:

I - ..........................................

II - quanto aos produtos nacionais, o valor total da operação de que decorrer a saída do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial.

§ 1º. O valor da operação compreende o preço do produto, acrescido do valor do frete e das demais despesas acessórias, cobradas ou debitadas pelo contribuinte ao comprador ou destinatário.

§ 2º. Não podem ser deduzidos do valor da operação os descontos, diferenças ou abatimentos, concedidos a qualquer título, ainda que incondicionalmente.

O problema é que a inovação foi trazida por lei ordinária já na vigência da Constituição de 1988, que reserva à lei complementar o regramento de normas gerais em matéria tributária, conceito no qual está inserida a base de cálculo dos impostos discriminados na Constituição (art. 146, inciso III, alínea a).

Assim, a ampliação da base de cálculo do IPI, para nele incluir o frete cobrado do adquirente, deveria necessariamente ser promovida por lei complementar, em vez de lei ordinária, como se fez.

Consequentemente, a ampliação é inconstitucional e o imposto correspondente não pode ser exigido do contribuinte.

Importante destacar que o § 2º do texto citado, que veda a dedução de descontos, foi declarado formalmente inconstitucional pelo STF quando do julgamento do Tema 84 de Repercussão Geral, pelo mesmo motivo, isto é, por invasão da reserva de lei complementar. A decisão conta com a seguinte ementa:

IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – VALORES DE DESCONTOS INCONDICIONAIS – BASE DE CÁLCULO – INCLUSÃO – ARTIGO 15 DA LEI Nº 7.798/89 – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL – LEI COMPLEMENTAR – EXIGIBILIDADE. Viola o artigo 146, inciso III, alínea “a”, da Carta Federal norma ordinária segundo a qual hão de ser incluídos, na base de cálculo do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, os valores relativos a descontos incondicionais concedidos quando das operações de saída de produtos, prevalecendo o disposto na alínea “a” do inciso II do artigo 47 do Código Tributário Nacional.

(RE 567935, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-216  DIVULG 03-11-2014  PUBLIC 04-11-2014)

Por isso, a jurisprudência tem acompanhado o entendimento do STF quanto ao § 2º para também declarar inconstitucional o § 1º, pois ambos modificaram a base de cálculo do IPI pela mesma lei ordinária. Aliás, a PGFN tem até deixado de contestar e recorrer nesses casos, em razão da elevada probabilidade de derrota, por conta do Tema 84/RG.

Importante destacar que a lei continua vigente e a Receita Federal ainda exige sua observância, como demonstra a Solução de Consulta COSIT nº. 159/2019, ementada nos seguintes termos:

SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 159, DE 16 DE MAIO DE 2019

Assunto: Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI

IMPORTAÇÃO POR CONTA E ORDEM DE TERCEIROS. SAÍDA DE MERCADORIA DO ESTABELECIMENTO IMPORTADOR POR CONTA E ORDEM DE TERCEIROS PARA O PARA O ESTABELECIMENTO DO ADQUIRENTE. BASE DE CÁLCULO DO IPI. ICMS DEVIDO.

Na operação de saída do estabelecimento importador por conta e ordem de terceiros (equiparado a industrial), para o para o estabelecimento do adquirente, há incidência do IPI, e sua base de cálculo corresponderá ao valor total da operação de saída, que abrange o valor constante na nota de entrada (fatura comercial mais tributos incidentes na importação), acrescido do valor do frete, das demais despesas acessórias cobradas ou debitadas pelo contribuinte ao comprador ou destinatário e do ICMS devido nessa operação, independentemente de esse imposto ter sido pago ou não.

Dispositivos Legais: Regulamento do IPI - Ripi, de 2010 (Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010), art. 9º, incisos I e IX; art. 35, inciso II; art. 190, inciso I, alínea "b", e § 1º; art. 18 da Lei nº 4.502, de 1964; art. 7º da IN RFB nº 1861, de 2018.

Assunto: Processo Administrativo Fiscal

Não produz efeitos a consulta formulada, quando o fato estiver definido ou declarado em disposição literal de lei.

Dispositivos Legais: Art. 46 do Decreto nº 70.235, de 1972, e inciso IX do art. 18 da Instrução Normativa RFB nº 1.396, de 2013.

Por isso, o contribuinte que deixa de incluir o valor do frete cobrado do adquirente na base de cálculo, sem amparo em decisão judicial, está sob risco de autuação da Receita Federal, de modo que o adequado é promovê-la tão logo possível.

O fato de a jurisprudência atual ser favorável ao contribuinte não pode levá-lo à inércia, deixando para judicializar se e quando for autuado, pois pode acontecer de, no futuro, o cenário ter mudado. 

Basta lembrar do exemplo dos contribuintes que, no caso da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, fizeram a exclusão por conta própria sem ação judicial, confiando que o cenário já estava definido. Mas ele mudou com a modulação dos efeitos pela Corte Suprema, o que deixou esses contribuintes com um passivo tributário relevante justamente porque não judicializaram a tempo e modo. 

Fica então o alerta.

*

RODRIGO RODRIGUES DE FARIAS

Advogado tributarista especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, com extensão em Planejamento Tributário pelo IBMEC/RJ, Direito Societário pela Fundação Getúlio Vargas - FGV e Falência e Recuperação de Empresas, também pela Fundação Getúlio Vargas - FGV. Tem artigos publicados na imprensa especializada e experiência em matéria tributária tanto no âmbito operacional como no judicial. Inscrito na OAB/MG sob o nº. 205.912. Acesse o perfil no LinkedIn e saiba mais.